Recomeços

Ai como são lindos os recomeços! Como o mundo e os escritores gostam de romantizar o reinício, de uma nova casa, um novo país para desbravar, um novo amor, uma nova profissão quando você já não está feliz com a sua... Tudo lindo no cinema, porém na prática a gente descobre que a teoria é outra né?!

Primeiramente deixa eu me apresentar, meu nome é Marina de Bem Maya Rezende, nasci em uma ilha paradisíaca no brasil, filha de mãe e pai surfistas, cresci na beira da praia rodeada de natureza e claro, com 6 anos já surfava o dia inteiro e aos 12 já levava o surf como carreira profissional, viajando ao redor do brasil, depois sul américa e depois algumas das melhores e mais lindas ondas do mundo. A vida que "eu pedi a Deus né". Mas claro que como toda profissão, quando olhamos de perto o buraco começa a ficar mais em baixo. E quem é brasileiro sabe que nem tudo são flores ser atleta ou artista mulher nesse país lindo, do carnaval e futebol. Então você vê todos seus talentos e potencial indo por água abaixo (literalmente) por ter nascido sem muitas oportunidades (já que não nasci de família rica) mas também não reclamo porque nunca me faltou comida em cima da mesa e consegui viver completamente do surf por 15 anos. Mas voltando ao ponto, eu já estava a me sentir frustrada com a carreira e sentia uma ânsia de viver algo a mais, de profundidade, de explorar o mundo e nao so da praia pro hotel como são nossas viagens em campeonatos, mas sim me abrir para tudo que me privei durante esses anos como competidora profissional, pois temos que dedicar 100% da nossa energia no esporte e não sobra muito pras outras áreas da vida...

“Filha de mãe e pai surfistas, cresci na beira da praia rodeada de natureza e claro, com 6 anos já surfava o dia inteiro…”

Então depois de muitos choros, crises existenciais e indecisões, decido largar meu patrocínio, parar com as competições, compro uma passagem para Portugal e lá vamos nós pra Europa, viver, tentar, surfar livre, viajar e claro, recomeçar! Que delícia...mal sabia que iria "comer o pão que o diabo amassou" kkkk bem na verdade, se alguém tivesse me contado o que eu iria passar nos meus primeiros 6 meses em Portugal, mesmo sabendo que depois poderia melhorar, eu definitivamente não teria coragem nem de pisar no avião. Mas como a vida não vem com spoiler ou manual de instruções e é claro que eu não sabia o que me aguardava, fiz meu mochilão e embarquei com aquele gostinho doce de esperança e recomeço, atravessando o oceano e deixando para trás naquele aeroporto tudo que um dia  fazia parte de mim até então, minha família, minha carreira, conforto do lar e dos amigos próximos e tudo que construí durante longos 27 anos. Portugal, cheguei!!!

“Fiz meu mochilão e embarquei com aquele gostinho doce de esperança e recomeço…”

A minha filha, se eu pudesse falar com a Marina de alguns meses atrás eu daria um abraço forte e falaria "pega um lencinho, descansa agora, respira fundo e senta que lá vem história! vou tentar resumir porque não estou escrevendo uma bíblia e sim um breve texto;

Chegando em Portugal, fiquei na casa de um amigo, dividindo a mesma cama por uma semana, tudo normal até começar a infestação de formiga no quarto, por ser primavera e claro que foi exatamente onde estavam minhas roupas... Decidi então alugar um quarto por alguns dias apenas, já que depois iria viver com uma amiga por 3 meses, que já estava vivendo aqui em Ericeira a alguns meses. Começo a trabalhar em uma escola de surf, 6 dias por semana, sem descanso, vai pro trabalho andando, volta andando, carrega saco de mercado morro acima mas  OK! 1 horinha de caminhada por dia não mata ninguém. O que morreu foi meu ego! Pode parecer superficial, mas até então minha vida girava em torno de treinos, em cuidar do meu corpo e mente, em uma rede de profissionais cuidando de mim e do meu preparo para atingir o máximo do meu potencial. Acostumada com as facilidades e portas que se abriam facilmente sendo "referência" de esporte no meu estado e país e vivendo uma vida de evidência da qual eu já tinha me acostumado. E aqui simplesmente não era nada, vida dando restart do zero e sentada atrás de um balcão atendendo turista o dia inteiro; "hey, good morning! can I help you"? sem tempo pra surfar, indo do trabalho pra casa. Foi definitivamente o meu primeiro tapa na cara, ego gritando e tendo um colapso nervoso antes de eu ter que me reconstruir por completo (umas 10 vezes já hahaha).

“Sentada atrás de um balcão atendendo turista o dia inteiro; Hey, good morning! can I help you?…”

Então me mudo pela segunda vez (terceira casa) para morar com minha amiga como já tínhamos combinado. Ela só esqueceu de me avisar que morava no meio do campo, onde não passava ônibus, onde mal havia vizinhança para dar carona e mais ou menos 2 horas caminhando até chegar no trabalho, com o monte Everest no meio. Enfim, sem chance de voltar atrás porque nessa altura já não tinha mais nem dinheiro ou opção, às vezes pegava carona com ela e às vezes ia de bicicleta 2 horas pedalando, subindo a montanha carregando a bicicleta e com tanta dor nas pernas que descobri músculos que nem sabia que existiam (lembrando que sabia bem o que era lidar com dor muscular até então)... Um belo dia indo trabalhar pedalando no auge do cansaço, fura o pneu no meio do nada, sem poder me atrasar, ninguém parando pra ajudar, foi aí que decidi que não tinha mais condições de viver lá sem carro, então junto o pouco que ia sobrar do salário mais um pouco emprestado e compro um carrinho mais velho do que eu (aqui na europa é bem mais acessível que brasil para ter um carrinho velho).

Fui a pessoa mais feliz do mundo por umas semanas... Consegui voltar a surfar todo dia (já nem me lembrava mais o que era isso). Mas como na vida tudo são fases, essa fase infelizmente durou pouco kkk Até meu carrinho pau velho começar a estragar uma vez por semana, até por acidente quebrarem o vidro do carro e até o carro durar dois meses e dar PT total, FUNDE O MOTOR. Aiii jesus ainda tenho mais 2 meses pagando um carro que eu nem tinha mais. Então volto a vida andando, volto a não surfar e volto a exaustão, só que dessa vez junto com um probleminha de saúde resultado do estresse e cansaço. Não vou nem falar que gastei o dinheiro que não tinha com médico e remédio.

“E até o carro durar dois meses e dar PT total, FUNDE O MOTOR. Aiii jesus ainda tenho mais 2 meses pagando um carro que eu nem tinha mais…”

Problema resolvido, mudo de casa (de novo), pra dividir a cama com outra amiga por alguns meses, mas dessa vez tem ponto de ônibus e civilização perto... obaaaaaa! meus problemas acabaram kkkkk calma querida! Fui feliz novamente por 2 semanas, até começar uma chuva atípica em Portugal, que resultou em enchentes na minha casa e infestação de rato. E sem possibilidade NENHUMA de habitar nessas condições insalubres, lá vamos nos mudar de casa AGAIN. Quinta casa em 5 meses, trabalhando sem folga (porque nos dias off eu dava aulas de surf para conseguir um extra) no auge do cansaço físico e mental já começo a me perguntar que merda estou fazendo com minha vida e por que não estou na minha ilha paradisíaca ganhando salário para viajar competindo... Arrependimento, choro, desespero e nesse momento já totalmente perdida de mim mesma e sem dinheiro  já nem conseguiria comprar uma passagem de volta pra casa.  Literalmente, um peixe fora d' água, sem poder surfar e estar perto da minha paixão que é o que me faz sentir viva e a razão de eu ter vindo até aqui, bebendo e saindo todo dia pra esquecer os problemas e não lembrar que “ferrei” com minha vida.

“Chuva atípica em Portugal, que resultou em enchentes na minha casa e infestação de rato…”

Quase acabando... Consegui fazer um esquema com um amigo e comprar um carrinho de novo (aluguei pra um amigo para ganhar uma graninha extra). E clarooooo, que a probabilidade de baterem no carro estacionado e estraçalharem o carrinho era alta na minha situação de sorte atual, então, mais estresse, sem dinheiro, mais choro, resistência baixa, o que acontece? doença de novo... e lá vai eu de novo pro hospital dessa vez mijando sangue com uma infecção urinária já chegando nos rins.

Oh deus? O que eu estou fazendo de errado? por que tudo isso está acontecendo? Nada fluindo, por quê? por quê?

E no auge do desespero e um pouco mais fundo que o fundo do poço hahaah vejo um filme daqueles que nos fazem ver o quanto a nossa vida é “boa” e o quanto a gente vê e sofre com problemas mundanos passageiros (filme: As Nadadoras) e por que é que a gente foca e sofre tanto com problemas sendo que eles sempre estarão lá? Sempre vai ter problemas pra resolver e a vida segue igual, o mundo continua girando igual. Comecei a querer ver o lado bom e decido  que vou fazer isso valer a pena, não vim de tão longe por nada e sei que tenho um porto seguro para onde voltar. Então, bora aproveitar o caminho e suas voltas. Voltei a me sentir dona do meu caminho (claro que nao foi de um dia pra outro só por ver um filme né! teve bastante trabalho interno e força de vontade de assumir minhas responsabilidades e pegar as rédeas da vida novamente na minha mão, sem depender de sorte e sim de esforço). E isso foi uma das partes mais importantes, parar de me lamentar por tudo que estava dando errado e começar a me perguntar quais foram minhas responsabilidades nisso tudo? o que eu poderia ter feito diferente e a partir do que tenho agora, como vou construir meus sonhos e objetivos? E quando a gente lembra o porquê de estar aqui, o porquê de ter escolhido estar longe do ninho, a resposta normalmente já vem com a sensação de “vai valer a pena” e que na verdade já valeu... Todos os lugares e pessoas que cruzaram meu caminho e que viraram uma segunda familia onde todos se ajudam… Todas as aventuras e a sensação de surfar uma onda pela primeira vez… A chance de conhecer um amor do outro lado do oceano e ver a vida e suas mágicas mesmo em meios ao caos... A sensação de se tornar mais forte e resistente e saber que REALMENTE fiz isso acontecer e sim consigo aguentar muito mais do que jamais imaginei e por último mas não menos importante, o orgulho dos inofensivos quilos que ganhei experimentando essa gastronomia maravilhosa comendo experimentando de tudo ao longo dessa costa magica chamada PORTUGAL.

“Todas as aventuras e a sensação de surfar uma onda pela primeira vez… A chance de conhecer um amor do outro lado do oceano e ver a vida e suas magicas mesmo em meios ao caos...”

E encerro esse desabafo com o gosto amargo e doce de recomeços, não são fáceis e não são românticos. Porém dificuldades sempre terão e vão ser sempre equivalentes ao tamanho dos nossos sonhos e se o sonho é grande o caminho vai ser longo e com altos e baixos. Então aproveita o ventinho no rosto quando está no topo e segura o ar quando está no fundo, lembra do porque e prepara que o topo já tá chegando de novo.

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