Free Surf x Competição

Depois de anos de viagens ao redor do mundo, pressão, treinos, resultados, patrocinadores, faz mala, desfaz mala, carrega sarcofago de prancha pra lá e pra cá, “perrengues”, vida individual e algumas vezes solitária. Percebi que minha paixão pelo surf nao estava em disputar meu nível com outras meninas, mas minha felicidade estava em expressar minha personalidade desenhando nas linhas do oceano em uma sincronia quase perfeitamente ensaiada com essa imprevisivel força da natureza.

“Percebi que minha paixão pelo surf não estava em disputar meu nível com outras meninas…”

Então voltando um pouco no tempo… Meus pais falam que sempre tive uma atração inexplicável pelo mar, assim que aprendi a caminhar corria direto pra água incontáveis vezes, até um dia meu pai deixar eu ir sozinha pra “levar um susto” e ver se parava com isso. Adiantou? não… Cresci na praia vendo meu pai dentro da água e assim que me entendi por gente só queria fazer o mesmo… Como meu pai era técnico de natação, acho que competição já estava intrínseco dentro de mim e 2 anos depois já estava em uma competição. E foi nesse momento, após sentir aquele êxtase de ser campeã pela primeira vez na vida, com 8 anos de idade, eu decidi meu futuro e minha profissão de vida kkkkk parece cômico, mas é verdade! Porém nunca foi forçado, acho que no fundo meu maior objetivo era surfar melhor que meu pai, (objetivo concluído com sucesso lol).

“ E com 8 anos de idade, eu decidi meu futuro e minha profissão de vida kkkkk parece cômico, mas é verdade…”

Posso dizer que minha vida realmente girou em torno do surf e competições por volta dos 14 anos. Pé na estrada pelo menos 2 vezes por mês, campeonatos estaduais, nacionais, sul americanos e assim foi durante alguns anos.

Até que após uma carreira consolidada muitas vezes entre as 5 melhores nacionais e sul americanas. Aos 22 comecei a não me sentir tão feliz com “essa vida”e tudo que conhecia até então… Sentia que faltava profundidade, faltava laços, faltava sentido. De repente a vida se tornou acordar cedo, treinar até anoitecer, comer bem, fisioterapia, psicólogo, nutricionista, quarto de hotel, campeonato, hora de mostrar tudo que treinei, choro, volta pra casa, treinar mais, próximo campeonato… Muita disciplina, distância da família, muita diversão, muitas facilidades, mas pouca profundidade… De repente nada disso fazia sentido para mim… Entrar no mar para fazer o que amo e sair estressada porque não consegui fazer tal nota ou tal manobra começou a ficar pesado.

“De repente a vida se tornou acordar cedo, treinar até anoitecer, comer bem, fisioterapia, psicólogo, nutricionista, quarto de hotel…”

Então começou a duvida; se eu estou fazendo o que mais amo (surfar) porque estou saindo da água estressada? “alguma coisa errada não está certa por aqui”.

Então por aí foram 3 anos de dúvida querendo parar mas não tendo coragem e é claro que se você quer ser o melhor do mundo, tem de querer aquilo mais que qualquer um e a sua vida tem que girar 100% em torno disso, dúvida não é o melhor combustível para um atleta.

“…Foram muitas vitórias, muitas derrotas, milhões de lições que só o esporte nos proporciona, como disciplina, persistência, manter a calma sob pressão, lidar com o medo e com a ansiedade, metas a longo e curto prazo, entre tantas outras essenciais para ter uma vida com equilíbrio…”

Ano passado, 2022, após o corona mexer com a cabeça de todo mundo trancados dentro de casa. Fiz a decisão mais difícil da vida, vou parar de competir, largar meu atual patrocinador e vou recomeçar em outro país, bem longe daqui. De certa forma uma fuga, de outra forma a melhor escolha que fiz. Demorou pouco tempo para me dar conta que amava ir surfar com amigos sem pressão nenhuma, pouco tempo pra me dar conta que as sessões que eu não surfei bem também eram divertidas, pouco tempo pra me sentir feliz por minha vida financeira não depender mais do meu surf e isso gerou uma leveza, tirou um peso das costas. Hoje sinceramente penso, misturar nosso esporte, com "dinheiro" é delicado e nem sempre funciona, muitas vezes deixa de ser prazeroso ao se tornar obrigação.

Posso dizer que foram muitas vitórias, muitas derrotas, milhões de lições que só o esporte nos proporciona, como disciplina, persistência, manter a calma sob pressão, lidar com o medo e com a ansiedade, metas a longo e curto prazo, entre tantas outras essenciais para ter uma vida em equilíbrio.

Hoje tenho toda certeza que o oceano e o esporte foram meus maiores professores de vida e que construíram a pessoa que sou hoje. E a única certeza que tenho na vida agora é que quero fazer isso até quando meu corpo aguentar. Porém livre, leve e solta ou como alguns chamam “free surfer”.

“…Quero fazer isso até quando meu corpo aguentar. Porém livre, leve e solta ou como alguns chamam “FREE SURFER…”

OBS: Acho que senti importante escrever sobre isso pois essa transição de profissional para freesurf é um jogo psicológico onde já vi tantos atletas se perderem, onde vejo tantos amigos que estão passando por essa mudança dolorida e queria que soubessem mais sobre isso, queria que falassem mais sobre esse assunto e que fosse mais divulgado. E também para os pequeninos que estão vindo, para a nova geração que já começam a surfar para ser campeão mundial, ou ainda para os pais que impõem esse futuro aos seus filhos para dar a oportunidade que vocês não tiveram… Acho que competição é sim um dos maiores mestres de vida. Mas que seja claro que ser atleta é uma parte da nossa vida, é apenas uma das pontas na engrenagem da vida, mas esquecer que somos muito mais do que ganhar campeonatos faz e fez muitos atletas terem depressão e sofrimento por tanto tempo ou toda a vida. E que lindo é uma carreira de sucesso mas ainda mais lindo é ter uma boa base e pessoas que amamos ao nosso redor… E que às vezes aquele sonho de criança não condiz mais com os sonhos e objetivos de um adulto maduro e está tudo bem não realizar os sonhos de infância, porque sonhos mudam ao longo da vida, e isso não é um sinal de fraqueza ou desistir, mas sim um sinal de maturidade e discernimento. E quando pensamos que a vida vai acabar quando acabar a carreira, na verdade, aí que está começando!

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